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> <strong>José Geraldes</strong><br />

Surdos

> José Geraldes

Os discursos de Bento XVI na visita à Baviera, sua região natal, tiveram um eco muito reduzido nos media. Talvez o tom intimista de alguém que regressa às suas origens, explique o pouco interesse manifestado.
A lição universitária na Universidade de Ratisbona onde o Papa ocupou a cátedra de Teologia, é que deu nas vistas pela célebre citação do imperador bizantino do séc. XIV, Manuel II Paleólogo a propósito do islão.
A citação enquadrava-se na relação entre razão e fé no sentido  de nunca a violência ser justificada para levar alguém à crença. Porque a difusão da fé pela violência é irracional.
Bento XVI conclui logicamente que, como a razão não pode excluir a fé, “agir segundo a razão é contrário à natureza de Deus”. Assim “uma razão que é surda ao divino e relega a religião para o âmbito das sub-culturas é incapaz de entrar no diálogo das culturas”. Daí a fé ser convidada a dialogar com a razão.
A lição de Ratisbona está para além de ser circunstancial e visa mais longe. Trata-se de um documento histórico. Os tempos de hoje anunciam sub-repticiamente ou já de forma descarada a morte de Deus. Vive-se como se Deus não existisse ou reduz-se a um fantasma ensinado às crianças da catequese. Além disso, os valores do Ocidente de raiz cristã estão a ser dizimados. Valores que uma sociedade laica não pode ignorar, sob pena de trair as suas próprias origens.
Precisamente nos discursos do Papa da Baviera o tema de Deus é recorrente. E sempre na preocupação do homem moderno. E há uma ligação entre as homilias pronunciadas nas cerimónias da visita e a lição universitária.
Em Munique, Bento VI abordou o tema de Deus como centro da realidade e como centro da nossa vida pessoal. E diz : “O mundo necessita de Deus. Nós necessitamos de Deus. Não faltamos ao respeito pelas outras religiões e culturas se confessamos em alta voz e sem meios termos aquele Deus que à violência opõe o sofrimento, que frente ao mal e ao seu poder, eleva, como limite e superação, a sua misericórdia”.
É claro que o Papa afirma Deus como urgência para o homem de hoje. E sem afrontamentos para qualquer outra religião. O seu pensamento torna-se mais explícito quando a seguir põe em destaque a “nossa responsabilidade recíproca, a nossa  responsabilidade pela supremacia da justiça e do amor no mundo”.
Depois vem a observação da surdez dos homens a Deus : “Existe uma debilidade de ouvido em relação a Deus, da qual sofremos especialmente no nosso tempo. Nós, simplesmente, já não conseguimos ouvi-lo. Aquilo que se diz d,Ele parece-nos pré-científico, inaceitável para o nosso tempo”.
Bento XVI faz uma pergunta : “De que Deus necessitamos?” E dá, sem sofismas, a resposta : “A sua vingança é a cruz : o não à violência, o amor até ao fim. Este é o Deus de que necessitamos”.
A posição de Bento XVI surge nítida e límpida em relação ao diálogo, à violência, ao ateísmo moderno, à tolerância, ao respeito de outras religiões e a irracionalidade da “guerra santa”. O Papa faz  uma análise e um diagnóstico em tom de profeta de quem vê com lucidez os tempos futuros.


Data de publicação: 2006-10-03 00:00:38
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