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> <strong>José Geraldes</strong><br />

O homem do “lixo das ruas”

> José Geraldes

Foi há 50 anos que morreu vítima de um acidente de automóvel. Tinha 68 de idade. O País prestou-lhe várias homenagens, no passado fim-de-semana. Deixou uma obra que ele baptizou “de rapazes, para rapazes, pelos rapazes”. Chamavam-lhe simplesmente o padre Américo.
O pai nunca supôs que o seu filho tivesse vocação sacerdotal. “Amigo da pândega, tocador de viola, dançarino e cantor”, o seu destino seria uma loja de ferragens. Depois veio a ida para Moçambique. E é então que Deus troca as voltas. Ele próprio diz que foi como “uma martelada” que lhe mudou a vida.
Américo Monteiro de Aguiar depois de ver muita miséria, é ordenado padre, aos 36 anos. O percurso de entrega aos mais pobres começa logo.
A visita aos presos, aos doentes, aos tugúrios de famílias marginalizadas e aos bairros de lata das grandes cidades ocupa todo o seu tempo.
As ideias para combater os problemas sociais com que se deparava, germinam no seu espírito.
Para os sem-casa, lança o “Património dos Pobres”. O “Calvário” surge para amparo de doentes incuráveis. Mas a Obra da Rua para acolher e promover rapazes “lixo das ruas” marcará a sua vida para sempre. Depois vem o jornal O Gaiato, grito de todas as injustiças e do abandono dos jovens.
Nas páginas deste jornal, o padre Américo escreve textos em que descreve, num estilo conciso e preciso, todas as misérias que observava diariamente.
A primeira Casa do Gaiato é fundada em Miranda do Corvo que acolhe miúdos da rua. Segue-se o aparecimento de outras com o mesmo objectivo.
Nestas casas, centenas de rapazes abandonados –“que ninguém queria”- procurados na “lama dos abandonados” como diz a escritora Matilde Rosa Araújo, encontraram o sentido para a vida.  Hoje, muitos ocupam lugares de relevo na sociedade.
A figura do padre Américo apresenta contornos de homem que escapa aos esquemas clássicos. Dedicando-se ao social, não cita as encíclicas papais mas a sua obra é a expressão do pensamento da doutrina sócia católica. De certa forma, age com uma liberdade de saber que está no caminho da santidade. Não é um teólogo mas é a sua fé “de camponês” que o leva a concretizar a paixão pela salvação dos outros. A Obra que deixou, explicita a verdadeira solidariedade. A sua auto-definição cola à sua personagem: “Um revolucionário pacífico, um pobre que sangra, um pai que chora, um português que ama”.
Na Obra da Rua, o padre Américo aplicou o método pedagógico da afirmação dos valores que os rapazes trazem consigo. Assim os orientou na responsabilidade dos actos assumidos e na experimentação gradual da liberdade.
Os estudos sobre a sua personalidade e as Casas do Gaiato mostram que a sua pedagogia continua a ser válida.
Para Ernesto Candeias Martins, docente em Castelo Branco, autor de uma tese, na área das Ciências da Educação, sobre o padre Américo, o trabalho da Obra da Rua “integra-se dentro das pedagogias mais avançadas do século XX”. Manuel Durães Barbosa explicita, no seu estudo, o sentido da responsabilidade.
Há um ano e meio um relatório da Segurança Social acusava a Obra da Rua de maus-tratos, o que foi negado, tendo o ministro da tutela de então desvalorizado o documento. A tal ponto que se comentou, na Comunicação Social, que quem precisava de ser investigado, eram os investigadores da Segurança Social.
Mesmo assim criou-se uma comissão de acompanhamento donde surgiu a ideia de conselhos pedagógicos, pois todas as entidades continuavam e continuam a enviar as crianças que ninguém quer.
À semelhança de todas as instituições, a Obra da Rua actualiza-se sem atraiçoar o espírito do seu fundador, mostrando que a iniciativa do padre Américo, para além de ser a marca de uma vida, mantém a sua validade na pedagogia e no serviço à sociedade.


Data de publicação: 2006-07-25 00:00:32
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