António Fidalgo

Mobilidade dos docentes universitários


Em artigo no Diário de Notícias de 14 de Novembro o deputado socialista João Cravinho, ex-ministro do 1º Governo de António Guterres, apresentou a mobilidade dos docentes como a grande reforma universitária em Portugal. O ex-governante escreve que se tivesse de optar por uma reforma entre as muitas necessárias à universidade portuguesa, optaria por “uma lei com um só artigo e dois números. No n.º 1, fixaria que nenhuma universidade pública poderia recrutar um seu recém-doutorado para o seu corpo docente. O primeiro recrutamento teria de ser feito por outra universidade, podendo regressar eventualmente à casa-mãe mas sempre em concorrência com candidatos de outras origens, incluindo doutorados nacionais ou estrangeiros por universidades estrangeiras. No n.º 2, estipularia que essa proibição entrava em vigor dentro de 60 dias.”

A solução de João Cravinho para a baixa mobilidade dos professores universitários pode ser simplista e inexequível, mas indubitavelmente toca um problema central da academia portuguesa. Docentes há que fazem a licenciatura e chegam à cátedra sempre na mesma escola. As universidades novas ainda contratam (em verdade se diga, por necessidade) docentes que fizeram o seu curso de graduação e o doutoramento em outras universidades, mas as antigas do litoral são de facto useiras e vezeiras em repisar trilhos feitos de carreiras académicas. Criam-se linhagens dinastias, corporações, fidelidades que em nada beneficiam a ciência e a academia. Como escreve Cravinho, tal “endogamia, isto é, a autoperpetuação na docência de uma mesma linhagem catedrática é dos factores mais contrários à melhoria da qualidade científica da nossa universidade. A endogamia instala um espírito de corte, premeia a bajulação, é adversa à integridade científica e à lisura de carácter na transmissão do saber e na produção de novos conhecimentos. A endogamia fractura a universidade em torno de inúmeros feudos. Em tal ambiente sobem os mais astutos na exploração dos ritos de corte e das fraquezas humanas, até familiares, dos chefes de linhagem.”

Muito provavelmente Cravinho não conhece o texto de Max Weber de 1919 a “Ciência como Profissão” onde se traça um quadro cruel da progressão académica na Alemanha, não conhecerá eventualmente a figura do “privat dozent” que muitas vezes chega aos 45 ou 50 anos sem ainda ter um lugar estável na academia alemã, não saberá quais os processos da aquisição do “tenure” numa universidade americana, mas mesmo assim, com a inteligência que se lhe reconhece, vai ao fundo da questão. É imperioso que as universidades portuguesas invistam num verdadeiro intercâmbio de docentes, cruzando-se carreiras, programas e projectos de investigação. Levando a efeito a reforma de Cravinho, talvez não vivêssemos na dinastia de ministros que se formaram e fizeram carreira no Instituto Superior Técnico.