O Interior está vestido de preto. De luto.
O verde das paisagens transformou-se em escuridão. O fogo passou e levou
tudo. Pasto, floresta, centenas de casas, culturas e pessoas. Em pouco mais de uma
semana, 14 mortes, mais de 54 mil hectares ardidos, 100 mil pessoas sem electricidade
em Portugal e muitas outras sem telefone. Bombeiros exaustos. Um densa mancha de
fumo que todas as manhãs, ao acordar, cobre o ceú do País.
É este o trágico balanço dos incêndios florestais, até
agora. Uma catástrofe.
De facto, desde a última semana de Julho que as chamas não largam
o País. Primeiro, foi a zona do Pinhal a sofrer com o fogo. Vila de Rei,
que tinha a maior mancha contínua de pinheiro bravo da Europa, deixou de
ter. Cerca de 400 hectares de pinhal ficavam reduzidos a cinzas. Sertã e
Mação também eram áreas afectadas. Ao todo, nove mil
hectares do Pinhal "iam ao ar". Jorge Sampaio visitiva as áreas
ardidas e falava logo numa autêntica calamidade. Mas o pior estava para vir.
Em Silvares, começava um fogo de grandes proporções na Serra
do Açor. Durava dias e dias e propagava-se aos concelhos de Castelo Branco
e Oleiros. O Ministro da Administração Interna, Figueiredo Lopes,
deslocava-se ao local e logo falava na necessidade de maior prevenção,
bem como responsabilizava os particulares por não terem as matas limpas.
E admitia que a maior parte dos fogos tinham origem na mão do homem, ou por
negligência ou por acção criminosa. O vento, o calor e a falta
de humidade eram os obstáculos dos bombeiros, que eram "apenas"
513 no combate às chamas, apoiados por 300 militares chamados ao local, 145
carros, 11 máquinas de rasto, dois aviões pesados, quatro helicópteros
pesados, dois aviões ligeiros e um helicóptero médio. Segundo
a Direcção Geral de Florestas, desde 1980, não havia registo
de um fogo com tão grandes dimensões. Em Castelo Branco, o Centro
Municipal de Operações de Protecção Civil reunia de
emergência e declarava o Plano Municipal de Emergência, declarando a
situação de catástrofe. A área ardida, naquele concelho,
era de sete mil hectares de floresta. No dia 31 de Julho, em Oleiros, estimava-se
que nove mil hectares também já tivessem ardido. As críticas
começavam a surgir e os autarcas de Vila de Rei e Oleiros já reclamavam
uma actuação tardia dos meios aéreos no combate aos incêndios.
Em Vila de Rei, as casas começavam a ser ameaçadas e na Santa Casa
os idosos eram retirados do Lar, devido à proximidade das chamas.
Portugal a arder
Mas foi no fim-de-semana passado que a tragédia dos incêndios tomou
proporções avassaladoras. Meio Portugal ficou a arder, em especial
a Região Centro. Ao distrito de Castelo Branco juntavam-se o da Guarda,
Santarém, Portalegre, Beja e Lisboa. No distrito albicastrense, Vila de
Rei estava controlado, mas a povoação de Estreito, em Oleiros, corria
perigo. O Presidende da República, Jorge Sampaio, criticava a opção
de se vigiar o território e activar os meios apenas no período de
Verão. Mas o fogo não dava tréguas e em Oleiros, 20 casas
ardiam. A autarquia local apelava a ajuda para evitar a desertificação
total. Oleiros estava cercado e temia desaparecer do mapa. No concelho de Belmonte,
nas Inguias, o fogo também atingia grandes proporções. Altas
temperaturas, baixa humidade e trovoadas secas eram inimigos dos Soldados da Paz.
Um perdia mesmo a vida. Castelo Branco accionava o Plano distrital de Protecção
Civil. Estradas, ferrovias e luz eram cortadas. A linha da Beira Baixa estava
cortada, bem como alguns locais na A23. O caos apoderava-se da Beira Interior.
A ajuda Internacional chegava a Portugal, com meios aéreos vindos de Marrocos
e Itália. Em Portugal, apenas três dos 18 distritos permaneciam incólumes
às chamas que devastavam o País. Centenas de pessoas eram evacuadas
e, para além de inúmeros danos materiais, já estavam contabilizados
nove mortos no País. O Conselho de Ministros, reunido na segunda-feira,
4, declarava o estado de Calamidade Pública, de modo a minorar os prejuízos
das populações atingidas. Durão Barroso assegurava que seriam
disponibilizados 50 milhões de euros da dotação provisional
do Ministério das Finanças. No distrito, passavam a ser Proença-a-Nova
e Sertã os casos mais graves. O presidente da Protecção Civil,
Leal Martins, em visita ao distrito, admitia falhas. Na Guarda, a cidade passava
a estar rodeada de fogo, e também aqui o Plano Municipal de Protecção
Civil era activado. Tragédia, catástrofe, calamidade, terror, eram
as palavras para descrever o que se passava em Portugal. Nada disto tinha sido
visto nos últimos 20 anos.
Em Oleiros, a população estava ameaçada. E eram encontrados
mais dois corpos carbonizados. Agora, a situação tornava-se complicada
em Carapito, na Guarda. Militares de Viseu ajudavam os bombeiros, que nada conseguiram
fazer para evitar que uma das principais manchas de castanheiro da região
não ardesse. Cada vez mais de falava em fogo posto em todo o território.
Este ano, a PJ já deteve 18 incendiários. Na manhã de terça-feira,
5, as coisas acalmavam. Na Guarda, apenas um fogo estava por circunscrever. Em
Proença, as chamas estavam "quase" dominadas. Castelo Branco
continuava a ser o distrito que mais preocupava. Temia-se pelas elevadas temperaturas
que regressaram na quarta-feira, 6, e por reacendimentos. Em Freixo de Espada
a Cinta, mais duas mortes.
A linha da Beira Baixa continuava fechada pelo quarto dia consecutivo. Vários
responsáveis políticos visitavam a Beira, entre os quais o Ministro
da Economia, Carlos Tavares. O Governo proíbia foguetes em festas populares,
nesta altura do ano. E alertava a população para não fazer
queimadas e evitar lumes em piqueniques. Mas já pouco havia a fazer.
|
Campistas evacuados na Serra da Estrela |
|
O parque de campismo de Vale do Rossim, Gouveia, em plena Serra
da Estrela, foi evacuado na noite de segunda para terça-feira,
5. As chamas, que se iniciaram em Lagoacho, no dia 4, foram alastrando
e propagaram-se ao Sabugueiro, pondo em perigo quem acampava na
Serra. O vento ajudou as chamas a alastrarem e estima-se que esta
semana o Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE) já tenha
sido atingido por cerca de 20 incêndios.
Ao todo, são já três mil hectares de área
protegido que foram devastados e o próprio presidente do
PNSE, Fernando Matos, já apresentou queixa à PJ por
suspeitas de fogo posto. Para além dos bombeiros, estiveram
no combate às chamas quatro aviões e um helicóptero.
|
|
|