Urbi@Orbi- Aprendeu a trabalhar o esparto com quem?
José da Encarnação - Aprendi com o meu pai. Mas já
o meu bisavô era esparteiro, o meu avô também o foi, e o meu
pai também o era. Mas quando eu morrer acaba isto. Há para aí
quem saiba mais umas coisas, mas ninguém quer aproveitar.
U@O- Levou muito tempo a aprender?
J.E.- Fui aprendendo com o tempo. Eu até nem levei muito tempo. Mas
há quem demore ou nunca chegue a saber fazer as coisas bem.
U@O- Disse que quando morrer isto acaba. Tem pena que o esparto esteja em vias
de extinção?
J.E.- Tenho. O pessoal deu em não querer aprender, até que acabou
quase por completo. Em Alcongosta já houve cerca de uma centena de esparteiros
e agora estou só eu. Já cá tentaram fazer um curso e apareceram
mais de 20 pessoas. Quando comecei a ensinar disseram que era muito complicado
e todos foram desistindo. Eles pensavam que era como chegar e comer um iogurte,
mas aquilo requer paciência e vontade de trabalhar.
U@O- O que é que pode ser feito para contrariar essa tendência?
J.E.- Antes de mais, vontade das pessoas para aprender. Mas cá em Alcongosta
não há ninguém que queira. Eles queriam era que se chegasse
lá e aprendessem logo, mas andarem ali uns tempos e não querem,
é um desperdício.
U@O- Na sua óptica como é que se chegou a este ponto, porque
é que as pessoas não querem continuar?
J.E- Eu tenho dois filhos, um é professor e continua a estudar, o outro
trabalha no campo. Nenhum se interessou pela arte, nenhum quis aprender porque
isto é complicado. Na minha maneira de ver é pior que a matemática.
Pensam que isto é uma coisa e aparece-lhes outra. De ser assim, ruim de
fazer, ruim de aprender, e como já não é preciso como antigamente,
o pessoal dedicou-se a outras vidas e outras formas de ganhar dinheiro.
U@O- Está disposto a ensinar, se houver quem queira aprender?
J.E.- Antes estava, mas agora já não quero. Só se forem
aprender a outro lado, mas não sei quem é que os possa ensinar.
U@O- E porquê?
J.E.- Não é porque não gostasse, mas é um presilho.
Quando estive disposto a ensinar ninguém esteve disposto a aprender, quando
eu era mais novo. Agora com quase 80 anos já não vale a pena. Trabalho
também ainda na agricultura e tinha que deixar coisas por fazer para atender
ao compromisso. Ainda à dias aí esteve um engenheiro florestal que
me pediu, mas agora já não quero ensinar ninguém, já
não quero presilhos.
"Quando comecei a ensinar disseram que era muito
complicado e todos foram desistindo"
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" Era uma profissão indispensável"
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U@O- Esta actividade dá dinheiro, é suficientemente compensatória?
J.E- Não. Eu faço mais isto para apresentar o artesanato nas
feiras. Aliás, se não me pusessem o transporte, as peças
que lá vendo por vezes não cobriam a despesa.
U@O- Há uns anos o esparto era indispensável, tinha um papel
importante, agora...
J.E.- Era, era uma profissão indispensável, porque se a gente
não fizesse as ceiras os lagares não trabalhavam. Havia os lagares
de prensa manual, os de vara e os de atafona. Foi havendo uma evolução
e o esparto começou a ficar um pouco de parte. Vieram as prensas hidráulicas,
depois o cairo, que vinha do Egipto. O que havia em Portugal não chegava,
e era mais fraco, sem resistência para as placas. Mas faziam-se também
outras coisas.
U@O- Eram sobretudo pessoas de Alcongosta que faziam.
J.E.- Sim, os sítios onde havia mais era em Alcongosta e Mouriscas.
E também em Aldeia Viçosa, uma aldeia no concelho da Guarda.
U@O- Hoje em dia quem é que compra o esparto?
J.E.- Muitos gostam do artesanato e compram para decoração.
Gostam de coisas antigas e de tê-las em casa. Talvez para amanhã
contarem aos filhos ou aos netos.
U@O- Já não é tanto por necessidade, pela utilidade?
J.E.- Às vezes compram coisas mais pela utilidade. As vassouras, os
capachos para limpar os pés, as almofadas, bases para tachos e mais coisas.
U@O- Vejo que também procura inovar no tipo de peças que faz.
J.E.- Faço ainda tampos para cadeiras e outras coisas. Eu sei fazer
de tudo. Fazer uma ceira como a que ali está [aponta] e acabá-la
assim não é para todos.
U@O- Antigamente iam em grupos para o alto da Gardunha. Como era?
J.E.- "Muitas vezes acompanhado/ muitas vezes sozinho/ muitas vezes vi
nascer o sol/ no alto do cavalinho". Antes o esparto era do regimento florestal
e era vendido. Juntava-se um grupo de esparteiros, compravam-no e combinavam a
altura para o apanhar. Eram grupos de 10, 20 ou 30 pessoas. Como era no Verão
íamos às quatro ou cinco da manhã a pé pela serra
acima, todos os dias. Passámos por lá muita coisa.
U@O- Eram tempos difíceis...
J.E.- Pois eram. No tempo da II Guerra Mundial muitas vezes alguns não
iam porque não havia pão em lado nenhum. Naquele tempo essa era
a merenda que levávamos para a serra, pão com azeitonas, mais o
que aparecia.
U@O-Como é que faz agora a apanha?
J.E.- Os trabalhadores da Junta de Freguesia, quando vão trabalhar
para a serra vão-me lá pôr. Ou então vai lá
o meu filho. Mas se fosse para andar a pé como antigamente não podia,
porque os caminhos da serra custam a andar. Eu cheguei a colher o esparto e a
traze-lo às costas pela hora do calor.
U@O-Agora já não tem que ir de madrugada.
J.E.- Agora vou lá, colho o esparto e vem tudo em carros. Já
não vem nenhum às costas, nem podia ser.
U@O-Mas apanhá-lo também requer alguma técnica?
J.E.- Sim, também não é toda a gente que o apanha. Tem
que estar limpo e ser envolvido com um pau curvo. Depois tem que se lhe dar o
jeito.
" Tenho sido convidado para ir a muitos lados"
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"Foi havendo uma evolução e o esparto começou
a ficar um pouco de parte"
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U@O-Suspendeu esta actividade durante algum tempo.
J.E.- Fui sempre trabalhando no campo, e no tempo das cerejas ia às
cerejas. Depois, durante cerca de trinta anos andei no comércio da fruta.
Quando me reformei não pensava voltar a pegar na arte, mas deram em me
convidar para ir a feiras.
U@O-Tem participado em muitas feiras de artesanato. Vai a convite de quem?
J.E.- Das Câmaras Municipais, principalmente. A Junta de Freguesia e
a Câmara Municipal do Fundão põem o transporte e eu vou voluntariamente.
Gosto de ir para mostrar o que era esta profissão e pelo convívio.
Também já estive na "Praça da Alegria" e num programa
do Júlio Isidro. Tenho sido convidado para ir a muitos lados. Ainda esta
semana me convidaram para ir nove dias para a Marinha Grande. Mas não posso
aceitar tudo, senão não tinha tempo para trabalhar nem para colher
o esparto. Para o próximo ano já tenho uma data de convites.
U@O-O que é que mais interessa saber às pessoas que visitam o
stand?
J.E.- Querem saber tudo, principalmente como e onde apanho o esparto e vêm-me
trabalhar.
U@O-Dado que o esparto se encontra nesta situação, recebe algum
tipo de incentivo ou apoio autárquico?
J.E.- Não, mas também nunca o pedi. O apoio que tenho é
darem-me o transporte, o alojamento e a alimentação para onde vou.
Quanto à Junta, já tentou fazer o tal curso, mas a malta não
quis.
U@O-Apanha o esparto entre Julho e Agosto na Serra da Gardunha, que ardeu este
ano. O incêndio prejudicou a produção?
J.E.- Podia ter apanhado mais, mas já lá tinha ido antes do
incêndio e tenho matéria-prima para trabalhar. Na primavera ela rebenta
outra vez. É uma planta que nasce e morre todos os anos.
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