A descida às minas iniciou-se ao som dos Queen.
No rádio da pick-up tocava a música "we
are the champions" e o labirinto foi-se revelando
cada vez maior e mais assustador.
Os 11 mil quilómetros de túneis escondem
verdadeiras toupeiras vestidas de laranja que se vislumbram
somente pelas luzes que trazem na cabeça. Estes
homens trabalham a 620 metros abaixo do nível da
terra, sem saber se o sol brilha ou não.
Zé Marcelino, um dos "zés" da
mina, conta que ali "é mais escuro que a noite.
Voltam à superficie depois de um dia de trabalho
aqui debaixo é muito doloroso para os olhos, principalmente
se estiver um dia de sol bastante forte".
"Sabem nadar?", pergunta um dos Zés.
Nadar dentro de uma mina parece ser difícil, mas
a explicação é lógica: para
se fazer os furos é necessária a injecção
de água na rocha. Essa água acumula-se e
transforma-se em verdadeiros lagos no interior do labirinto.
A água começou a ser utilizada como parte
de um processo que travou a doença dos mineiros,
a silicose. Esta doença caracterizava-se pela inalação
dos pós que resultavam da exploração
do minério e das técnicas utilizadas. Nos
anos 50, o martelo era utilizado na extracção
a seco, o que fazia com que os restos de minério
entrassem para os pulmões. "Agora não.
Trabalha-se aqui uma vida inteira sem se apanhar essa
doença", explica Zé Duarte, outro dos
"zés" da mina.
A ventilação é mais uma das formas
que facilita o trabalho nas minas. Os túneis de
ventilação tornam aquele ar respirável.
O " cheiro a Lisboa", na linguagem dos "zés",
é o ar saturado após a explosão.
Respirar aquele ar chega a ser claustrofóbico.
A única mina da Europa
onde é extraído volfrâmio
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"O nosso volfrâmio já foi à
lua"
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"O volfrâmio é um mineral que depois
de fundido dá o tumsténio, uma liga que
quando acrescentada ao aço o torna mais resistente",
ensina Zé Duarte.
Este minério, extraído das Minas da Panasqueira,
é utilizado na construção de foguetões.
As aeronaves devido à fricção da
atmosfera atingem temperaturas muito altas. Para aguentarem
essas temperaturas elas são construídas
com ligas de tumsténio.
A construção naval também aplica
esta liga nos cascos dos navios. Até mesmo os tanques
de guerra são constituídos com este derivado
do volfrâmio.
Portugal é o único país da Europa
onde existe uma mina de extracção desta
matéria prima. Em média são produzidas
cerca de 120 toneladas por ano, exportadas, conforme a
procura, para a Áustria, o Japão e os Estados
Unidos.
Esta matéria prima é exportada uma vez que
Portugal não dispõe de uma indústria
transformadora de volfrâmio. A inexistência
de uma lei comunitária faz com que muitos países
da Europa vão buscar este minério a outras
potências.
Para extrair o volfrâmio são necessários
110 mineiros, número que em tempos atingiu os 11
mil. Dividos em três turnos, estes homens entram
"no primeiro turno às 7 horas e saem às
15, no segundo das 15 às 23 e um turno desfazado
das 23 à 1 da manhã", salienta Zé
Marcelino.
O Couto Mineiro
A Beiralt Tin and Wolfram Portugal, S.A. é a empresa
que explora as Minas da Panasqueira, que se situam na
Serra de Açor, concelho da Covilhã.
A exploração remonta a finais do século
XIX, mais precisamente a 1886, quando Pescão de
Casegas, carvoeiro, encontrou, numa das covas onde fazia
o carvão, uma pedra negra de invulgar peso para
o seu tamanho. Ofereceu este achado a Manuel dos Santos,
natural da Barrroca Grande e homem de negócios.
E foram estes homens que começaram a história
das minas que hoje sustentam uma população.
A primeira localidade do couto mineiro foi a da Panasqueira.
Nos últimos anos, a tendência da população
é aproximar-se da Barrroca Grande, local da actual
exploração. Deste couto fazem ainda parte
S. Jorge da Beira, a Aldeia de S, Francisco de Assis e
a povoação do Rio.
A Barroca Grande apareceu quando a exploração
do minério se desenvolveu até esse local.
António Nunes Carvalheira, o mineiro mais antigo
das Minas da Panasqueira, demorava cerca de uma hora e
meia para chegar ao local de trabalho.
Do Minho vieram outros com uma única ambição,
juntar dinheiro para comprar duas vacas. Estes homens
viviam em barracas até a empresa construir casas
para ceder aos trabalhadores. Manuel Albino, director
interino do Centro Comunitário das Minas da Panasqueira,
conta que "as pessoas estavam habituadas a que a
empresa lhes fornecesse tudo: a casa, a água e
o gaz. Até para mudar uma simples lâmpada
eles chamavam um funcionário da empresa".
Hoje o apoio da empresa já não é
tanto. A Barroca enterra-se no meio do entulho mineiro
e dá a sensação de estar afastada
do mundo. Para que este cenário mude, José
Luis Campos, presidente da Junta de Freguesia da Aldeia
de S. Francisco de Assis, apresenta como solução
o aproveitamento dos aterros das minas para criar uma
empresa de inserção social. "Coisas
sem qualquer valor arquitectónico, tais como lancil
de passeio e separadores de auto-estrada", seriam
o produto final desta empresa, adianta o presidente da
junta desta freguesia.
A caminho da Barroca Grande
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"Estamos aqui duas horas à espera que
uma ambulância chegue"
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Por entre curvas e desfiladeiros, o caminho até
à Barroca Grande é uma aventura. Numa estrada
muito estreita e de um só sentido, por onde passam
camiões, encontra-se o único acesso capaz
de levar novidades áquela aldeia.
Numa situação de emergência, o caminho
pode ser causa de morte. Manuel Albino crítica
esta situação e diz: "estamos aqui
duas horas à espera que uma ambulância chegue".
E continua: "quando se dão essas emergências,
a única solução é o táxi".
José Luís Campos, apoiado pela Câmara
Municipal da Covilhã, espera resolver este problema
através da criação de uma nova rede
viária.
O isolamento sente-se também na falta de transportes
que ligam estas povoação ao exterior. Um
único autocarro sai às sete da manhã
para voltar às sete da noite. É neste transporte
que os jovens da aldeia saem para estudar ou trabalhar.
A vida dos Zés
A conversa entre dois mineiros dá a entender que
nas minas todos se chamam Zé. A quantidade de Zés
na aldeia obriga a uma distinção pormenorizada
de cada um deles. Zé Duarte, Zé Marcelino,
Zé Cambra, são exemplos de alguns homens
que durante umas horas não vêem a luz do
dia.
"O que faz um mineiro é a necessidade de emprego",
explica Zé Duarte. Muitos começam a trabalhar
com 16 anos, tal como Américo Mendes. Com 47 não
tem medo de se perder, mas já ajudou alguns perdidos.
António Nunes Carvalheira tem 84 anos e é
o mineiro mais antigo da região. "A minha
vida cá dentro da mina era como a dos outros. O
suor caía da testa abaixo. Aquele que não
fizesse isso no outro dia era mandado embora. Eramos tratados
praticamente como escravos. E era assim a vida".
Depois de uma longa e dura vida de trabalho, estes homens
não tinham direito a reforma. A única solução
era voltar para as suas terras onde tinham o apoio da
família. As mulheres na generalidade não
trabalhavam. O salário do homem era o único
sustento da família. "As viúvas daquele
tempo ficavam na miséria", lamenta António
Nunes Carvalheira.
Muitas histórias poderiam ser contadas acerca deste
local, mas de desgraças ninguém quer falar.
Os acidentes ficam enterrados com o passado e para o futuro
acumulam-se projectos de requalificação
da zona.
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