Discreto e ensimesmado, um pouco
lunático, Jean- Baptiste de la Quintinie é
o humilde jardineiro do rei. Em plena corte de D. Luís
XIV, o Rei-Sol, símbolo do absolutismo monárquico,
os excessos e a sumptuosidade contrastam com um homem
simples, dedicado apenas à sua tarefa, incumbida
pelo rei que o nomeia para o cargo de "intendente
dos pomares e jardins hortícolas de Versalhes".
Indiferente à intriga, enfastiado com os jogos
de bastidores e agoniado com os odores mal disfarçados
por perfumes, foge das festas mundanas para se refugiar
no campo, onde os seus modos de vestir e falar não
suscitam comentários. Aí torna-se apenas
um homem em sintonia consigo próprio.
Mas logo que o jardineiro regressava
à sua horta, estugava o passo, os gestos tornavam-se
harmoniosos e precisos. Conhecia todas as plantas, todos
os insectos pelo nome. Eram muitos os que vinham discutir
com ele à noite, à hora em que as sombras
se alongam, enriquecer-se com os seus conhecimentos sobre
as estações, os legumes e os frutos, a sua
sabedoria simples que herdara do mundo que governava.
Embora "O
Jardineiro do Rei" seja uma obra de ficção,
a personagem escolhida para o romance é verdadeira.
Jean-Baptiste de La Quintinie foi o jardineiro de eleição
de Luís XIV, depois de ter aplicado os seus créditos
no projecto de Vaux-le-Vicomte ao serviço de Nicolas
Fouquet, o ministro das finanças que chamou a si
o ciúme real e caiu em desgraça por não
ter sabido esconder o seu requintado bom-gosto e a tentação
megalómana.
Antes de ser a história de um homem, "O Jardineiro
do Rei" é uma belíssima alegoria do
conflito entre a razão e a natureza, da eterna
engrenagem de forças contrárias em busca
do equilíbrio.
Contrária é também a amizade do pacífico
jardineiro com Philippe de Neuville, um antigo companheiro
dos estudos , cujo espírito irrequieto e interessado
por todas as formas de pensamento (ciências, humanismos,
política, esoterismo
) contrasta com a dedicação
exclusiva que La Quintinie devota ao seu reino vegetal,
num misto de amor sincero e medo de se aventurar por territórios
desconhecidos.
Depois da morte deste amigo, o jardineiro do rei há-
de "acordar" e tudo o que até aí
viu e sentiu será posto em causa.
Como é que não
compreendera mais cedo este sinal enviado pelo céu?
Como é que não sentira na carne que toda
esta vida, a sua vida, não passara de falsidade
e de vaidade? Falsidade dos títulos e da glória;
vaidade de se julgar livre, diferente dos outros, protegido
dos desastres do mundo por muros espessos e troncos grossos;
vaidade de pensar que podemos conduzir o universo, quando
é ele que nos governa; orgulho de acreditar que
poderemos, um dia, agitar o mundo e os homens que o habitam.
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