Conferência
sobre a Batalha de La Lys
Identidade e investigação
factores de coesão nacional
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Por Marco António
Antunes
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À mesa da conferência estiveram João
Venâncio, o General Júlio de Oliveira, Santos
Silva, Reitor da UBI e Castro Henriques
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"La Lys e a participação
de Portugal nas guerras do século XX. Ocaso do ex-Ultramar
Português" foi o tema da conferência proferida
pelo Prof. Dr. Mendo Castro Henriques, no anfiteatro I da
UBI, na passada sexta-feira, pelas 21 horas.
O orador identificou a identidade e a investigação
tecnológica como factores de coesão nacional
e meios de luta em tempo de crise. Estabeleceu uma relação
entre o valor e o sucesso militares. Analisou os motivos
da participação portuguesa na Primeira Guerra
Mundial.
"Em Portugal, há um grande défice de
identidade. Ela não passa na comunicação
de massas", afirma. A identidade é um factor
de coesão nacional. Para Mendo Castro Henriques o
fim do Serviço Militar Obrigatório (SMO) coloca
problemas na afirmação da identidade nacional.
"As novas gerações têm um contacto
esporádico e tardio com a vida militar", lamenta.
Estuda-se a elaboração de um Guia de Defesa
Nacional a elaborar por vários investigadores. "O
objectivo é formar as novas gerações
para o valor da identidade nacional e do contributo militar",
salienta.
"Sentimento de identidade nacional"
Mendo Henriques sublinhou que "existem dificuldades
orçamentais que vão causar problemas em
termos de equipamento e recursos humanos". Para contrariar
esta tendência, Portugal deve "aumentar a investigação
tecnológica militar e reforçar a identidade
através do estudo da História Militar como
meio de valorização da imagem das Forças
Armadas. Só assim será possível reforçar
a coesão nacional", garante.
"Deve existir uma cultura de defesa e um sentimento
de identidade nacional em toda a população.
As Forças Armadas são o garante da defesa
nacional e uma mão amiga nas catástrofes",
defende Mendo Henriques. E acrescenta: "O militar
deve ser um símbolo de unidade nacional e nunca
um corpo estranho à nação manipulado
pela classe política".
O orador salienta que "a Batalha de La Lys (ver caixa)
marca a entrada de Portugal nas guerras do século
XX. Trata-se de uma entrada traumática e uma derrota
indiscutível". Mas o valor militar não
se mede em termos de sucesso. "Os soldados portugueses
resistiram durante 24 horas ao assalto dos alemães.
O que é um facto de valor militar sem precedentes",
sublinha. A Batalha de La Lys foi uma derrota para Portugal
e para os aliados. Contudo, contrariamente aos relatórios
dos aliados que afirmam o insucesso dos portugueses, "os
alemães consideram La Lys como uma derrota útil
para os aliados, porque atrasou a ofensiva alemã",
assegura.
"A guerra não acaba no campo de batalha"
No final da conferência, a assistência colocou
algumas perguntas ao orador. Luís Gardete perguntou
sobre o significado do soldado desconhecido. Mendo Henriques
destacou que em rigor não há soldados desconhecidos
devido às técnicas de ADN. Mas "a luta
do soldado desconhecido do meio rural foi uma luta de
gigantes, para a qual Portugal não estava preparado",
refere.
Luís Delgado questionou sobre o papel da mulher
portuguesa no apoio ao soldado português. O Professor
Mendo Henriques salientou que a acção da
mulher portuguesa foi "quase anónima"
em comparação com o Movimento Nacional Feminino
durante a Guerra Colonial. Limitava-se à boa vontade
na organização de quermesses, peditórios
para os soldados e na assistência de enfermagem
aos feridos.
O Presidente da Direcção Central da Liga
dos Combatentes, General Júlio de Oliveira, elogiou
a importância do soldado português em servir
a pátria, nomeadamente em La Lys. Salientou o papel
de Ana Castro Osório na assistência aos combatentes
da Guerra de 1914-1918. E lembrou o numeroso espólio
sobre a Primeira Guerra Mundial que existe na Direcção
da Liga em Lisboa.
Lino Carvalho ex-ranger no Centro de Operações
Especiais de Lamego referiu que "existe um equívoco
em toda a guerra uns consideram-se derrotados e outros
vencedores". Mendo Henriques na resposta afirmou
que "a guerra não acaba no campo de batalha,
nem na mesa das negociações. Só termina
na reconstrução nacional, após o
fim das hostilidades". O soldado pode vencer no campo
de batalha, mas perder no campo social, político
e moral. "Quando os americanos saem de Saigão
(Vietname) ficam as minas e os órfãos. Nas
antigas colónias portuguesas ficou o testemunho
e a obra dos portugueses. Mas as negociações
políticas falharam", garante.
Defender as colónias
Portugal tinha três objectivos ao entrar na Guerra
de 1914-1918: defender as colónias (desde 1914
que os alemães atacavam Angola e Moçambique);
conquistar as boas graças dos ingleses (reforçar
os laços de aliança); afirmar o regime republicano
e em especial o Partido Democrático que governava
Portugal chefiado por Afonso Costa (a corte inglesa rejeitava
o regime republicano e preferia a monarquia em Portugal).
Dos três objectivos, o Professor Mendo Henriques
salienta que "só conseguimos manter as colónias".
Os ingleses eram aliados de Portugal desde o Tratado de
Windsor (1386). A aliança com Portugal sempre assegurou
os interesses ingleses. "Portugal não precisava
de fazer muito para cair na boa graça dos ingleses",
sublinha. O regime de Sidónio Pais sucedeu ao Partido
Democrático. Em 9 de Abril de 1918, "Sidónio
deixou o CEP entregue à sua sorte na Flandres",
explica.
Entre os motivos que provocaram a derrota de La Lys, Mendo
Henriques assinala: o cansaço das tropas portuguesas
na frente de combate, pois há nove meses que não
eram rendidas; a falta de oficiais, eram 50 por cento
em relação às necessidades de combate;
a existência de alguns motins devido ao cansaço
das tropas.
Na mesa da conferência estiveram: Carlos Venâncio,
Professor de Sociologia na UBI; o Presidente da Direcção
Central da Liga dos Combatentes, General Júlio
de Oliveira; Santos Silva, reitor da UBI; Mendo Castro
Henriques, orador convidado docente na Universidade Católica.
Mais de 50 pessoas, entre antigos combatentes, familiares
e amigos da Liga estiveram presentes.
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História da Batalha de
La Lys
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Em Portugal
é todo o mundo rural que está em guerra.
Na maioria dos casos, o soldado sai, pela primeira
vez, da sua terra natal. Aprende a comer de garfo
e faca na tropa. As tropas levam três meses
de barco e mais três dias de comboio de Brest
até à frente na Flandres. O dia 9 de
Abril comemora simultaneamente o dia do combatente
português e a Batalha de La Lys.
8 de Abril de 1918. A situação é
de alerta máximo. Aguarda-se a todo o momento
um ataque do inimigo alemão. Tinha havido uma
carga alemã até perto de Amiens (Operação
Michael). Os aliados situam-se perto das ribeiras
de La Lol e La Lys na Flandres.
Portugal dispõe de duas divisões com
tropas de artilharia, infantaria e cavalaria. A segunda
divisão do Corpo Expedicionário Português
espera ser rendida no dia 9 de Abril. No comando da
primeira divisão, está o General Tamagnini,
conhecido pelo seu carácter disciplinador e
astuto. A primeira divisão (30 mil soldados)
ocupa o sector da frente com 11 km. (Em comparação,
80 mil americanos ocupam 14 km de frente).
6 de Abril de 1918. A primeira divisão retira
da frente. Fica a quinta divisão (conhecida
por segunda divisão reforçada). No comando
da quinta divisão, o Brigadeiro Gomes da Costa
(um duro que instaurará o Estado Novo com o
golpe de Estado de 28 de Maio de 1926) substitui o
General Simas Machado. Há nove meses que as
tropas estão na frente de combate. Era caso
único entre os aliados.
O soldado da trincheira vê pouco: gases químicos
lançados pelos alemães e nevoeiro. O
soldado da trincheira ouve muito: o som da metralha,
dos morteiros, da artilharia alemã. O revestimento
da trincheira é de madeira ou de ferro. A lama
da frente agarra-se ao corpo e torna o avanço
muito difícil. O soldado abriga-se em buracos
reduzidos, revestidos de chapa com escoras de madeira
e sacos cheios de terra. Há numerosos ratos.
Dentro do abrigo, o mobiliário é de
pinho, um ou dois leitos, instrumentos mínimos
de higiene.
9 de Abril de 1918. 4h15. Começa o bombardeamento
alemão: artilharia contra artilharia. Salvas
de artilharia de dez em dez minutos. Depois salvas
permanentes a partir das 5h15. Das 5 às 8 horas
o fogo é contínuo. Segue-se o assalto
das tropas alemãs a partir das 8h15. O marechal
Douglas Henke, comandante chefe dos exércitos
britânicos considera os soldados portugueses
"bravos e úteis". Mas as tropas portuguesas
sofrem pesadas baixas.
Os alemães não tinham a certeza do sucesso
militar. Escolhem o sector português, porque,
com a derrota dos portugueses, os ingleses retiravam
para os flancos. Logo, os alemães avançariam
na frente. O objectivo dos alemães é
empurrar os ingleses até ao Canal da Mancha.
Do lado alemão, comandam o General Ludendorf
e o Marechal Hindenburg. Já no dia 8 de Abril,
os alemães alteram o seu dispositivo militar.
Colocam quatro divisões com quase 50 mil homens,
reforçadas no dia 9 de Abril com mais 30 mil
soldados. Os portugueses são só 20 mil.
9 de Abril. Final da noite. Os alemães capturam
seis mil portugueses da segunda divisão e quase
100 peças de artilharia. As tropas alemãs
avançam. Mas não cumprem totalmente
o objectivo: avançar para além das ribeiras
de La Lol e La Lys. Dizimada é a Brigada do
Minho. Mas conseguiu resistir juntamente com as restantes
tropas portuguesas durante 24 horas.
A trincheira transforma a guerra num impasse de posições.
Os Alemães vencem em La Lys. A segunda ofensiva
alemã dura de 9 a 27 de Abril, mas com perdas
crescentes para o lado alemão. Ainda tentam
o assalto a Paris (operacão Valquíria).
Detidos pelo General Pétain, são mais
tarde vencidos pelo contra-ataque aliado.
Os participantes na Guerra de 1914-1918 foram: o Império
Alemão, o Império Áustro-Hungaro,
a Turquia e a Bulgária que lutaram contra o
Império Britânico, a Rússia, a
França, a Itália, os Estados Unidos,
Portugal, Bélgica, Holanda, Grécia e
Roménia.
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