Minas da Panasqueira
A vida debaixo da terra

As Minas da Panasqueira são as maiores minas subterrâneas do mundo, com mais de 12 mil quilómetros de túneis escavados pelo homem. Descemos a 200 metros de profundidade e encontrámos volfrâmio, um dos mais valiosos metais.

 Por Raquel Fragata

 

A descida é de 300 metros até ao nível mais fundo da mina.
Os primeiros dois quilómteros fazem-se de 'pick-up', o resto só com a ajuda das lanternas

As Minas da Panasqueira, na Serra do Açor, concelho da Covilhã, foram recentemente abaladas por um fatal acidente. A morte de um mineiro, Carlos Matias, de 37 anos, foi causada por um desabamento de terras no interior da mina quando procedia à perfuração de um túnel. O incidente deveu-se, alegadamente, à má escombragem do local, processo pelo qual o terreno do túnel é limpo de pedras passíveis de ceder. O liso, camada de pedra de corte horizontal, acabou por ceder por força do seu peso e caiu sobre o jumbo e vitimou o mineiro. Uma morte trágica que deixou todos os mineiros e população chocados.
Para os trabalhadores e administração da empresa, a Beralt In & Wolfram, o acidente não se deve à falta de segurança. Acontecimentos difíceis que não deixam esquecer o 'mito' associado à actividade mineira. A vida passada debaixo de terra, na escuridão total, não é hoje arriscada como em séculos anteriores, defendem. Actualmente, na escavação subterrânea os punhos e a picareta foram substituídos pela tecnologia informática, um PLC que comanda automaticamente as operações no interior da mina, e pelos jumbos, broca mecânica que perfura a rocha.
Quanto ao acidente "nada o fazia prever". "Caso idêntico a este, felizmente, deu-se o último há 15 anos e a última morte que se registou foi há nove ou 10 anos", afirma Luís Lopes, engenheiro director dos trabalhos subterrâneos e membro da administração da empresa. Para Luís Lopes a actividade mineira é hoje menos perigosa do que a própria construção civil, onde a frequência com que se registam mortes é muito maior. "Foi a natureza", refere Inácio Gomes, encarregado capataz, que momentos antes do acidente tinha estado no local.
Outro factor que subsiste na figura do mineiro é a silicose, doença que afectava muito frequentemente os mineiros pela aspiração por via respiratória da sílica, partículas que se soltam da rocha. Este problema foi vencido, depois dos finais da década de 50, com a utilização de injecção de água nas brocas de perfuração, que faz com que as micropartículas se depositem no solo.

Subida do preço do volfrâmio
traz esperança à Panasqueira

As Minas da Panasqueira laboram há sensivelmente 100 anos. Desde então atravessou momentos altos e baixos, consoante a oscilação do preço do volfrâmio no mercado. Destas minas são extraídos cacitrite, donde provém o estanho, calcopirite, que dá o cobre e a volfrâmite, que tem múltiplas aplicações. O volfrâmio é o produto de exploração principal na Panasqueira. Foi pela primeira vez apresentado em 1900, na Exposição Universal de Paris, pelos americanos que descobriram as suas potencialidades quando associado ao aço, conferindo-lhe alta resistência. A partir daí as suas aplicações foram várias, desde o tungsténio (filamento das lâmpadas), às lâminas dos buldozzers, às brocas até à electrónica e a material cirúrgico. Na indústria da electrónica "chegam 100 toneladas para responder a todas as necessidades", explica Ramakchondra Naique, formado em engenharia mineira e director geral das minas.
Com características de dureza semelhantes às do diamante, alta densidade e trabalhado em pó, resistindo a temperaturas de fusão muito elevadas, o uso do volfrâmio, um dos últimos metais a ser descoberto pelo homem, nunca se tornou muito vulgar devido ao seu preço. Outros metais mais baratos, como por exemplo o urânio empobrecido ou o chumbo, substituem-no numa das suas maiores aplicações: o armamento. Foi por altura da Segunda Guerra Mundial que a exploração na Panasqueira atingiu o seu auge. Por essa altura chegou a empregar 11 mil pessoas. Naquelas paragens, a paisagem envolvente indicia uma grande actividade à volta da mina. Na encosta são visíveis numerosas fileiras de casas que eram propriedade da mina até 1994, altura em que a mina fechou pela primeira vez. A administração, anterior à actual que assumiu a exploração em Janeiro de 95, entregou essas casas às famílias dos mineiros. Muitas delas destelhadas mostram o abandono que vivem actualmente. Sente-se em toda a vila uma magia que lhe terá ficado dos tempos idos.
Actividade intensa voltou a viver nos anos de 55 e de 84 a 86. Hoje bastam apenas dois turnos de 40 homens no interior da mina para ela produzir diariamente as cerca de duas toneladas de 'tal e qual', matéria bruta de minério extraído de onde é retirado o tungsténio, que resultam numa produção de 145 a 150 mil quilos de concentrado de volfrâmio por mês. Desde há dois meses o rendimento das Mina da Pansqueira tem subido devido a variações positivas no mercado bolseiro do valor do volfrâmio, resultado da quebra da produtividade das minas de volfrâmio da China, a principal concorrente.

"Obra da mãe natureza"

Quanto ao futuro, o subsolo da Panasqueira tem minério para exploração por mais duas ou três gerações, chegando aos 400 metros de profundidade.
José Duarte, 56 anos, é mineiro há 28. Hoje abandonou o interior da mina e trabalha no departamento de geologia da empresa. Conhece a mina como a palma das suas mãos, refere fascinado com a "obra da mãe natureza". O seus colegas afirmam que seria capaz de não se perder mesmo às escuras por meio dos labirintos de túneis e pilares. Mesma sorte não têm outros trabalhadores que, quando são novos ali, se desorientam, mas basta "seguir o som das máquinas".
Toda a mina está cartografada, identificando exactamente todos os filões, pedaços longilíneos onde se encontram os vários minérios, que deverão ser explorados.
Debaixo de terra sente-se um cheiro intenso. "Cheira a mina", afirma José Duarte.
O fascínio pelo subsolo estende-se a muitos curiosos que a visitam. O responsável pelo departamento de geologia defende que as Minas da Panasqueira "se houver força de vontade dos responsáveis, podem vir a ser um pólo de atracção turística".

Falta de mão de obra no sector

Em Outubro passado a Beralt In & Wolfram tentou admitir pessoal para os quadros mediante formação garantida pela própria empresa. Para isso publicou vários anúncios a recrutar pessoal para as minas. A intenção era mesmo abrir a antiga Escola Mineira das Minas da Panasqueira, espaço que funcionava para dar preparação ao longo de 4 a seis meses para exercer as funções de mineiro.
Na primeira solicitação aos centros de emprego da Covilhã e Arganil, obtiveram 53 respostas, das quais só admitiram 3 com o srequisitos necessários.
Dentro de um ano e meio a empresa pensa vir a recrutar mais pessoal, entre 60 a 80 pessoas, para poder aumentar a produção. Os tempos de reforma dos actuais mineiros estão a chegar e há necessidade de renovar mineiros e técnicos. Nos dias de hoje, e devido ao desenvolvimento tecnológico adoptado, o espaço parece vazio. É possível ter a produtividade de 25 homens apenas com cinco a trabalhar.

  

Volfrâmio: riqueza no subsolo

A exploração das Minas da Panasqueira é inteiramente exportada para os Estados Unidos da América, Japão e Áustria. Em Portugal não existe indústria metalúrgica nem transformadora para o volfrâmio, a principal riqueza existente naquela mina.
Actualmente, a empresa exploradora, a Beralt In & Wolfram, emprega cerca de 200 pessoas. O funcionamento da mina faz-se por dois turnos de oito horas, apenas seis e meia efectivas, pois leva meia hora de caminho entre o exterior e o interior da mina e outra meia hora de pausa para o almoço que é feito no 'restaurante', como chamam os trabalhadores a uma mesa iluminada onde fazem as refeições que trazem do exterior. O transporte é feito por uma pick-up que leva os mineiros às 7 horas, para ir buscar às 13, quando deixa o segundo turno que só sairá às 11 horas da noite. Cada mineiro tem um ordenado bruto de cerca de 130 mil escudos, para além do subsídio de risco, de alimentação, de turno, e de um seguro 'porta a porta'. Antes do encerramento da mina, em 1994, a empresa garantia a habitação, energia e água. As casas que se situam no bairro próximo da Mina são hoje, e por consequência do fecho, pertença dos mineiros. Quando voltou a reabrir, por dificuldades económicas, essas regalias não foram incluídas.
A média de idades dos empregados é de 43 anos. Afectos directamente à produção, no interior da mina, estão 80 trabalhadores, 40 por cada turno. Para além destes existem vários serviços auxiliares, com técnicos de manutenção eléctrica, mecânica, hidráulica, gabinetes de estudo, topografia, geologia, que prefazem um total de 125 a 130 funcionários. Na lavraria, secção de instalação e transformação do produto localizada no exterior da mina, laboram entre 40 a 50 pessoas. A Beralt In conta ainda com cargos administrativos, contabilidade e quadro técnico.
Recentemente a RTP filmou no subsolo da Panasqueira a série "Febre do Ouro Negro", que está a ser transmitido por este canal estatal.

 

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